Tenha planos e desenhe cenários, mas se você não conhece as alternativas e experiências que estão em debate ou que são vivenciadas por diferentes IES, provavelmente, você irá sucumbir à crise. No momento, estamos focados na saúde das pessoas e na sobrevivência das IES, o que é primordial. As crises geradas pela pandemia, divergências políticas e desaceleração da economia, que trazem em seu contexto o desemprego, requerem dos dirigentes das IES capacidade de gestão e de construir o futuro. Os dirigentes institucionais precisam ser agentes do futuro e não se deixarem “levar pelo vento”.

Em março, quando começamos a experimentar o ensino remoto emergencial, nossas IES, especialmente do setor privado, tiveram a capacidade de realizar mudanças significativas e, de forma digna, mantiveram as aulas. O setor demonstrou que tem um papel relevante no funcionamento do sistema de ensino superior.

Entretanto, há desafios que precisam ser superados, pois as IES não podem continuar com um modelo acadêmico no ensino remoto em que o professor fala e os estudantes escutam. Há dificuldades de conexão, em função do acesso à internet.

A Unifeob tem uma boa experiência em diálogo com estudantes, através de grupos focais. O Grupo Educacional Santo Antônio também criou um canal de comunicação direto com os alunos, principalmente com o tema do sentimento de pertencimento, por meio de seu Núcleo de Relacionamento. Mas, de um modo geral, transplantou-se o modelo da sala de aula presencial, que já estava ultrapassado, para o ensino remoto, em um contexto em que é possível inovar e inserir nossas IES no mundo da Revolução 4.0.

O Parecer nº 5, de 2020 do CNE, homologado pelo MEC, permite o cômputo de atividades pedagógicas não presenciais na carga horária anual. O Parecer é um avanço. Permite que as IES avancem na flexibilidade e na criatividade. Esperamos que os dirigentes elaborem projetos institucionais inovadores.

Se pensarmos do ponto de vista dos professores, será que eles estavam preparados para o ensino remoto emergencial? Há problemas para serem resolvidos? Uma pesquisa realizada entre as 46 IES do Consórcio STHEM Brasil apontou que apenas sete declararam que possuem mais de 80% dos professores preparados para o ensino remoto emergencial, o que significa que é preciso capacitar professores para que eles adquiram competências digitais.

O Jornal “The Chronicle Higher Education” publicou, no último dia 4 de junho, o artigo “Did the scramble to remote learning work? Here´s what Higher Ed. Thinks”. O jornal quis saber se a corrida para o ensino remoto funcionou. As respostas apontam o que os professores e administradores pensam.

– 50% dos professores responderam que tinham pouco ou nenhuma experiência com as ferramentas digitais e com o ensino remoto. 28% tinham alguma experiência e 22% disseram que já tinham experiências.

– 60% dos professores acreditam que as aulas foram piores ou moderadamente piores, se comparadas ao ensino presencial. Apenas 5% consideraram que a experiência do ensino remoto foi superior.

–  60% dos professores declaram que tiveram dificuldades com o acesso dos estudantes em função da internet. 35% manifestaram dificuldades com o acesso às plataformas. 70% dos administradores admitem que houve problemas com o acesso dos estudantes em função da internet.

– 39% dos professores declaram que precisam de capacitação em pedagogia digital para que possam lecionar de forma remota. 21% declaram que precisam de orientação para utilizar as ferramentas tecnológicas.

– 70% dos administradores reconhecem que é preciso capacitar o professor para a pedagogia digital. 38% das respostas dos administradores admitem que precisam investir em tecnologia e 36% em novos designs dos cursos.

As respostas demonstram que há dificuldades por parte dos professores. Eles não possuem competências digitais. Por outro lado, os dirigentes estão preocupados com o que está por vir e reconhecem que é preciso investir na capacitação dos docentes e em tecnologias.

Muitos dos dirigentes brasileiros acreditam que basta adquirir ferramentas como o ZoomGoogle MeetMicrosoft Teams ou o Collaborate que os problemas estarão resolvidos. No Brasil há carência de projetos institucionais capazes de superar os desafios advindos da pandemia.

É preciso olhar, também, para o que pensam os estudantes sobre o ensino remoto. Não temos muitas respostas, pois fazemos poucas pesquisas de opinião. No senso comum, a nossa hipótese é de que os dirigentes pensam que os estudantes estão gostando do ensino remoto e que vão aderir definitivamente a essa modalidade.

Na nuvem de palavras, feita através do aplicativo “Mentimenter”, no dia 28 de maio, pelo professor Dale Johnson, da Arizona State University, durante a semana de capacitação de professores do Consórcio Sthem Brasil, mais de 200 pessoas opinaram sobre como os alunos se sentem.

Veja que, na opinião dos professores, os alunos estão cansados, desmotivados, sobrecarregados, desanimados, preocupados, perdidos, ansiosos, entre outras coisas. As opiniões não são resultados de um estudo científico, mas de um exercício que aponta a percepção dos professores. Será que os estudantes realmente estão satisfeitos com o modelo de ensino remoto que é oferecido para eles? Temos de saber responder a essa indagação.

Temos dificuldades de articulação interna para a elaboração de projetos acadêmicos, dedicamos pouco tempo para a reflexão, poucos recursos para a capacitação docente e olhamos quase que totalmente, para as questões financeiras, que, de fato, são prioritárias.

Afirmamos: a IES pode resolver seus problemas financeiros, mas não terá vida próspera se não tiver um bom projeto acadêmico.

E se as aulas retornarem, por determinação do governo, com 20% dos estudantes, o que você faria, caro dirigente? Provavelmente, a primeira reação ao retorno de apenas 20% será afirmar que isso é impossível e que “minha IES” irá falir. Essa reação pode ser evitada se estudarmos as alternativas e conhecermos melhor as experiências compartilhadas.

Apresentamos a seguir oito modelos acadêmicos que podem ser aplicados nas IES.  Os modelos “não são puros”, ou seja, um modelo pode conviver com outros. É possível elaborar interseções entre diferentes modelos. O que propomos é apontar caminhos.

Modelo HyFlex

Nesse modelo, os professores estão na sala de aula com um grupo de alunos, que pode ser 20%, 40% ou mais do total. Os estudantes que não estão nas salas de aula acompanham de forma remota. Isso exigirá que os dirigentes das IES invistam em tecnologia na sala de aula, como equipamentos de câmera e som e que os estudantes que estão acompanhando as aulas possam ter acesso à internet. O investimento nos equipamentos poderá ter um custo razoável, em um primeiro momento, mas ele irá permitir que a IES avance na oferta de cursos remotos e híbridos. A IES poderá fazer um estudo de quantas salas de aula terão de ter esse tipo de equipamento, já que professores e alunos de diferentes cursos poderão utilizar a mesma sala, em um sistema de rotação. Esse modelo requer um professor com competência digital e que seja um bom comunicador. Recomenda-se, ainda, que o professor esteja acompanhado de um monitor.

Modelo de currículo por projetos ou desafios

A transformação do presencial para o remoto trouxe uma certeza: é possível oferecermos ensino remoto com qualidade, se formos capazes de conciliar o melhor do presencial com o melhor do a distância. Refaça seu currículo, diminua o número de disciplinas ou procure eliminar a fragmentação do currículo em disciplinas. É possível estruturamos o currículo por blocos de projetos ou desafios. A formação teórica e prática acontecerá no desenvolvimento dos projetos. Os professores podem encontrar, presencialmente, um grupo de 20%, 40% ou mais de estudantes. Os demais podem desenvolver outras etapas do projeto, encontrarem-se em grupos virtuais ou realizarem atividades previamente estipuladas. Esse modelo não exige o mesmo nível de investimento em equipamentos e tecnologia, se comparado ao Hyflex.

Modelo virtual com interação presencial

Nesse modelo, os alunos  possuem as disciplinas e a estrutura curricular como conhecemos hoje, mas uma porcentagem dos estudantes, que pode ser 20% ou mais, encontra-se com os professores para realizar atividades práticas, trabalhos hand on,  em laboratóriosentre outros. Os demais estudantes realizam atividades acompanhadas por monitores, em suas residências. Os alunos também podem participar de seminários e atividades de formação que envolvam diferentes cursos de graduação. Nesse modelo, a IES possibilita que o aluno tenha a possibilidade de acompanhar e de realizar a parte prática das disciplinas em sua casa, além de acompanhar a execução da atividade realizada pelos 20% dos alunos que estão no laboratório ou na sala de aula e em tempo real observa os demais colegas executando essa atividade. E assim, como no presencial, o professor pode separar em times os 80% da turma que está acompanhando remotamente a aula para a execução das atividades. Essa experiência os aproxima do modelo presencial de ensino.

Modelo por bloco de disciplinas

A IES pode modificar o currículo e organizá-lo por blocos de disciplinas. Assim, o segundo semestre, em um curso de História, pode iniciar uma disciplina como História da América e depois caminhar para didática aplicada ao ensino da História, por exemplo. Dessa forma, os blocos de disciplinas iriam durar algumas semanas. Pode-se começar com as disciplinas com perfil mais teórico e caminhar para o mais prático. O professor atenderia presencialmente 20%, ou mais, de estudantes. Os demais desenvolveriam atividades previamente programadas, nas plataformas virtuais, que podem ser de reunião de grupos, redação de textos ou resolução de exercícios. Assim como no modelo anterior, os alunos também poderiam participar de seminários e atividades de formação, que envolvam diferentes cursos de graduação. O Eniac é um exemplo de IES que trabalha por blocos de disciplinas.

Modelo curricular intensivo, por grupos de estudantes

Os alunos seriam divididos em grupos que representam 20% ou mais de estudantes, que podem ser modificados ao longo do semestre, para ampliar a interação entre os estudantes. Enquanto um grupo está no modelo presencial, realizando atividades durante dois ou três dias da semana, os outros, fazem atividades virtuais, acompanhadas por monitores e previamente preparadas pelos professores. Esse modelo requer, assim como os demais, alta capacidade de planejamento dos cursos de graduação e das aulas, previamente. Os estudantes que estão de forma remota precisam ter uma série de atividades para serem realizadas, para não ficarem ociosos. Nos dias em que os estudantes não estão na IES, eles podem interagir com empresas, escolas ou com diversas organizações públicas e privadas.

Modelo curricular por módulos de formação

O currículo do curso poderia ser elaborado por módulos que garantam uma etapa da formação dos estudantes. Os módulos podem ter duração variada, três ou seis meses, por exemplo. Essa configuração permite que o ingresso do estudante seja no módulo oferecido pela IES, já que cada módulo tem um significado e uma etapa da formação, além de garantir uma certificação. Os módulos precisam proporcionar teoria e prática. O planejamento permitirá que tenhamos estudantes em atividades práticas presenciais, virtuais ou em formação que permite que tenhamos estudantes nas IES e nos ambientes virtuais.

Modelo remoto, com atividades presenciais

Esse é o modelo que estamos vivenciando até o momento. Para seu aperfeiçoamento, os professores terão de ser capacitados para que saibam utilizar as novas tecnologias e para que obtenham competência virtual. Nesse modelo, assim como nos outros, é possível utilizar laboratórios virtuais. Eventualmente, os estudantes podem ser requisitados a irem para a IES, para desenvolverem alguma atividade prática.

Modelo presencial

Esse modelo representa o retorno das atividades no modo como eram desenvolvidas até o mês de março, antes da pandemia. Com a experiência adquirida durante a crise da Covid-19, as IES podem optar por avançarem em atividades virtuais.


Os modelos apresentados aparecem em várias discussões de jornais como o “The Chronicle Higler Education” e o “Inside Higher Education”. Como afirmamos acima, não há um modelo ideal. Cada IES tem de pensar em construir um caminho e elaborar um projeto acadêmico conforme a sua identidade, seu perfil e suas condições financeiras.

O que defendemos é que, em qualquer modelo, é preciso que os estudantes tenham a experiência do aprendizado, que eles possam experimentar interações e vivências tecnológicas. No caso do professor, mais do que nunca, o investimento na capacitação digital do docente é necessário.

A aprendizagem ativa é totalmente viável, não importa se é presencial ou virtual. O que se espera é que o estudante continue engajado no processo de aprendizado. Nenhum dos modelos vai funcionar plenamente se a dificuldade de acesso aos ambientes virtuais, por parte dos estudantes e até dos professores, continuar. Os dirigentes precisam investir em acesso (chips de empresas de telefonia para acessar a internet) e equipamentos (computador ou tablets) para os estudantes que precisam.

Consideramos que os modelos HyFlex e o de currículos por projetos são os que permitem maior interação e vivência entre os estudantes. Todavia, a decisão cabe aos dirigentes institucionais. Nós recomendamos ousadia e capacidade de integrar equipes que possam elaborar projetos. Caro dirigente, isso é urgente: defina seu modelo acadêmico!


* Ana Valéria S. A. Reis: Diretora Geral da Unidade de Ensino Serra Dourada, Lorena, SP. Consultora Geral em Inovação, Aprendizagem Ativa, Metodologias Ativas e Avaliação no Ensino Superior

** Diego Amaro: Coordenador do Curso de História do UNISAL – Lorena, Consultor em Tecnologias Educacionais.

*** Fábio Reis: Diretor de Inovação e Redes do Semesp, Presidente do Consórcio STHEM Brasil e professor do Unisal.