Caro leitor, você tem mais dúvidas ou certezas sobre o que pode acontecer com o ensino superior nos próximos 10 anos? Eu tenho mais dúvidas. Mas talvez eu tenha algumas trilhas para indicar a gestores de IES e interessados nos rumos da educação.

Estou em Boston, nos EUA, aquardando um vôo para o Brasil, depois de participar da 49ª Conferência Anual da Association for Collaborative Leadership (ACL),  realizada em Albany, Nova York, onde o Semesp apresentou, com sucesso, os resultados das seis Redes de Cooperação montadas pela entidade entre instituições de ensino superior brasileiras de diversos portes, que estão em pleno funcionamento e já acumulam resultados com impacto para  as IES participantes.

Logo no primeiro dia da viagem fui a uma livraria e comprei a revista “Education Next”. A capa destaca um dos artigos “Competency-Based Degress: new approach to learning and assessment at Western Governors University”. A instituição estava com aproximadamente 40 mil estudantes em 2013, hoje tem 80 mil estudantes, em função da expansão da oferta de cursos on-line. A Universidade refez seu modelo de curso on-line. O currículo é desenhado por competências e o estudante estabelece seu ritmo para finalizar o curso. O estudante avança no curso, na medida que adquire as competências. O concepção do currículo foi desenhada com a participação dos empregadores e modelo de avaliação é diferente.

Os artigos da revista tratam de novos desenhos curriculares, que representam uma ruptura das “grades que fragmentam as disciplinas e o conhecimento” e tratam de um ensino com intenso uso de big data para monitorar o desempenho do estudante e fortalecer o seu engajamento no processo de aprendizagem e para fazer a gestão da IES, além de tratarem do uso da tecnologia, como a gamificação e a  inteligência artificial.

Das mais de 2.400 IES brasileiras, quantas estão abordando esses assuntos? Aliás, quantas IES estão pensando ou repensando seu modelo de EAD? A oferta de cursos de EAD irá ser significativamente ampliada, com a nova legislação no Brasil. A questão será: qual o seu modelo de EAD? Aliás, muito mais que isso, qual o seu modelo de ensino híbrido? IES que mantêm modelos de EAD da década de 1990 (vídeos aulas, textos, chats, exercícios e avaliação, tudo de forma convencional) correm o sério risco de tornarem-se obsoletas e diminuírem o número de estudantes.

A Unicesumar é um exemplo de IES que está olhando para o que está por vir no ensino superior. Há uma aposta no Ensino Híbrido, com suporte de alta tecnologia (não apenas da plataforma, mas da tecnologia como alicerce  acadêmico), que fortalece o engajamento e o aprendizado do estudante.  A pergunta é: qual sua concepção acadêmica? Você tem proposta? Se não souber responder de forma clara é porque provavelmente sua IES não tem um identidade e um projeto acadêmico bem definido. A Unicesumar criou um projeto ousado e provavelmente será uma IES ainda mais competitiva, nos próximos anos. A ousadia da instituição está bem estruturada.

Outra revista que comprei foi “MIT Sloan Management Review”, que tem como título de capa “Getting Innovation Right”. Sugiro a leitura do artigo “12 Essential Innovation Insights”. O texto apresenta dicas sobre como fazer a inovação, como por exemplo:

  • Inovação não é necessariamente sobre coisas novas, é sobre criar novos valores;
  • É preciso desafiar os competidores (gestores de IES, por exemplo) a jogarem o jogo de forma diferente (ainda organizamos a dinâmica de nossas IES da mesma forma);
  • Deixe os clientes desenvolverem o seu próximo produto (até que ponto estamos permitindo os alunos participar da organização de nossos cursos?). Minha hipótese é que pouco dialogamos com estudantes, com empregadores e com formadores de opinião;
  • Pense a inovação como um processo de criação que institui novas dinâmicas institucionais, que requerem necessidade de mudança cultural;
  • Crie estruturas que podem dar suporte ao processo de inovação;
  • Conecte as pessoas de organização internamente e incentive e identifique novas ideias e a criação de novos processos;
  • Não impeça e não limite a criatividade.

 

Eu li o artigo e fiquei pensando: as ideias são boas, mas quero ver aplicá-las no ensino superior brasileiro, que é predominantemente burocrático, corporativo, lento, confuso no processo decisório e muito mais propenso ao discurso da mudança do que a mudança de fato. Nesse caso, gostamos de falar de e sobre a inovação, mas, de fato, somos resistentes às mudanças.   Eu gostaria de saber, caro leitor, quantas das dicas acima são comuns e estão presentes no cotidiano de sua IES. O que temos, geralmente, são roupagens de inovação que não geram encantamento por parte dos estudantes. Óbvio que há exceções.

Aliás, metodologia ativa mal aplicada em sala de aula tem um efeito contrário da percepção de inovação, ao ser rejeitada e vista como “enrolação de aula”, “algo para preencher o tempo da aula” ou ainda “algo muito chato”. Cuidado, metodologia ativa não pode ser uma roupagem de inovação. Quem pensa que as metodologias ativas representam o “supra sumo” da inovação, está enganado. Eu já cometi esse engano.

A metodologia é uma das peças importantes da engrenagem do sistema de inovação. E eu sugiro aos gestores que não permitam a aplicação de metodologias ativas apenas para propagar que a IES faz inovação. Um professor de MIT disse, “não passem batom no porco”. O Consórcio STHEM Brasil faz um trabalho sério sobre inovação usando metodologias ativas. Obvio que tudo é um processo de aperfeiçoamento.

Por falar em aperfeiçoamento, começa a ser mais intenso o debate sobre a “crise do diploma”. A questão que se coloca é se uma pessoa após 3, 4 ou 5 anos frequentando uma graduação no ensino superior possui as competências para propor soluções para os problemas da sociedade, para conseguir empregos ou serviços que cada vez mais exigem criatividade, atitude, capacidade de resolver problemas e de empreender projetos, entre outras coisas.

Voltamos à reflexão sobre  modelo acadêmico de nossas IES. Um erro que não podemos cometer: perder a sintonia com a realidade, com o tempo que estamos vivendo, enfim, com a dinâmica do século 21. Cometer esse erro pode representar uma crise institucional, pois nossa IES pode tornar-se obsoleta.

Conheço um reitor que afirma: “Não vou perder meu sono com o futuro. Vamos resolver o presente”. Sim, temos problemas para resolver: captação de estudantes, evasão, inadimplência, financiamento, conceitos no Enade, conflito entre as pessoas, gestão das informações e dos processos. Concordo que é preciso cuidar da gestão desses temas. Aliás, se não cuidarmos desses assuntos, a IES provavelmente não será competitiva e irá enfrentar crises financeiras, administrativas e acadêmicas.

Mas a questão das dúvidas sobre o que está por vir no ensino superior continua. Qual o seu modelo acadêmico? Qual o DNA de sua IES? Como sua IES posiciona-se diante do ritmo das mudanças contemporâneas?

Caro leitor, que é gestor e exerce um cargo de liderança: faça o básico, faça gestão, mas não deixe de olhar para o futuro. Projete sua instituição para daqui a 5, 10 ou 20 anos. Não tenha dúvida: as soluções que as startups de educação estão apresentando, a inteligência artificial, entre outros elementos, terão forte impacto em nossa IES.

Ouvi em uma das conversas aqui em Boston: Harvard e MIT não são parâmetros para a maioria das IES. Sim, não são parâmetros se quisermos ser como eles. O que podemos fazer é ter referência de boas práticas. Podemos refazer ou adaptar para a nossa realidade o que acreditamos ser algo que trará impacto. Essas universidades possuem modelos acadêmicos que geram muito custo.

Depois de todas essas argumentações, as dúvidas continuam. Nossas salas de aula terão o mesmo formato daqui a 10 anos? Vamos investir mais em infraestrutura física ou em tecnologia? Qual o orçamento que temos para investirmos na formação de nossos professores (eles precisam estar preparados para o que está por vir – e se eles não estão, a sua IES também não estará, e você irá vivenciar diferentes crises)? Qual a nossa concepção de currículo? Estamos preocupados com a formação por competências? Olhamos as mudanças de tecnologia? Conhecemos o perfil de nossos estudantes? Sim, são muitas perguntas. Mas quais são as nossas respostas?

É preciso cuidado. Não chegaremos a nenhum lugar se o ego das pessoas, o corporativismo, os conflitos internos, o medo da mudança e a fragilidade da gestão predominarem. Gestão é tomada de decisão. Bom gestor é um bom líder também, portanto, será assertivo e saberá conduzir as mudanças.

Afinal, o que irá acontecer com o ensino superior daqui a 10 anos?

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