Artigo escrito por Gustavo Hoffmann, Fellow LASPAU – Harvard University e STHEM Brasil

Desde 2014, venho conversando muito com o Fábio Reis e com outros líderes do consórcio STHEM, levantando sempre a necessidade de produzirmos mais ciência. Acredito que ainda tenhamos no Brasil uma prática educacional predominantemente baseada em percepções e precisamos cada vez mais inserir evidências científicas neste processo. Tenho convivido muito com americanos e finlandeses nos últimos anos e uma das lições que tomo dessa convivência é a necessidade de sempre medirmos o que fazemos. Quem não mede não gerencia e na sala de aula não é diferente. Temos hoje no Brasil diversas propostas inovadoras, modelos de sala de aula disruptivos, mas ainda pouca evidência da sua efetividade.

Esta inquietação me levou a Boston em outubro de 2015 para uma reunião com LASPAU para discutirmos como inserir mais evidências científicas nas práticas do Consórcio STHEM Brasil. Foi aí que surgiu a ideia de abrirmos um programa de pesquisa exclusivamente dedicado ao nosso consórcio com o objetivo de produzirmos conhecimento a partir das práticas adotadas no Brasil, com o apoio do staff de Laspau e sob a orientação de docentes das melhores universidades dos Estados Unidos, como Harvard e MIT. Já conhecíamos LASPAU desde o início de 2012 e vínhamos interagindo bastante desde então, mas ainda não tínhamos estruturado uma forma de apoio à produção científica no Brasil.

Construí um projeto, fiz a aplicação e recebi a carta de aceite poucas semanas depois, ainda em 2015. Em janeiro de 2016, eu já estava em Boston para a primeira das 8 visitas que fiz à cidade durante aquele ano. Como eu não poderia deixar minhas atividades aqui no Brasil, tive que dividir meu tempo no ano de 2016 e no primeiro semestre de 2017 entre Brasil e Estados Unidos.

No total, foram 18 meses extremamente produtivos. Tive a orientação direta e o apoio de três professores que sempre admirei muito: Peter Dourmashkin, do MIT, Bennet Goldberg, da Boston University (hoje na Northwestern University) e Eric Mazur, de Harvard. Também tive o fundamental apoio da Coleen Silva, gerente dos programas de inovação acadêmica de LASPAU, e da Angélica Natera, diretora de LASPAU. Além das frequentes reuniões com estes professores, boa parte do tempo que passei em Boston e Cambridge foi utilizada para compreender melhor três elementos que considero fundamentais para esta mudança pela qual o ensino superior brasileiro está passando: Ensino Híbrido (Blended Learning), Sala de Aula Invertida (Flipped Classroom) e metodologias ativas de aprendizagem. Em especial, dediquei-me ao Peer Instruction, uma metodologia ativa concebida pelo prof. Eric Mazur e amplamente utilizada em Harvard e no MIT.

Para compreender melhor estes elementos, a maior parte do meu tempo foi dedicada ao acompanhamento de aulas nas três universidades (MIT, BU e Harvard). Embora meu programa tenha sido associado à Universidade de Harvard, por LASPAU, passei um bom tempo no MIT, assistindo aulas na sala TEAL, onde realizava também minhas reuniões com o prof. Peter Dourmashkin. Durante as aulas, tive a oportunidade de conversar com diversos professores, com os T.A. (teacher assistants) e sobretudo com os alunos. Pude entender melhor o que funciona bem e o que precisa ser ajustado. Pude perceber que a cultura norteamericana é bem diferente da nossa e o que funciona bem lá dificilmente funcionará bem aqui, pois corpo docente e alunos vivem em uma realidade muito distante da nossa.

Além das aulas, tive a oportunidade de conhecer pessoas e organizações que contribuíram muito com meu crescimento profissional. Participei de algumas reuniões do Mazur Group, conheci o HarvardX, o Harvard Innova Lab, a Harvard School of Education, a Harvard School of Engineering and Applied Sciences (SEAS) a Harvard Inniciative for Learning and Teaching (HILT), o Media Lab do MIT, o EDX, o Innosight Institute, participei de eventos na Harvard Business School, incluindo o lançamento do novo livro do Clayton Christensen, o qual tive o prazer de conhecer, entre outros. Sem dúvida, todas estas experiências contribuíram não somente para minha pesquisa, mas principalmente para que eu criasse uma nova visão do processo educacional e da alta complexidade envolvida no processo de inovação. A partir daí, decidi tropicalizar algumas boas práticas de lá, aplicar aqui no Brasil e medir sua efetividade.

Foi aí que surgiu a ideia da minha pesquisa, operacionalizada no segundo semestre de 2016. Participaram do estudo sete instituições de ensino superior membros do consórcio STHEM: CESUPA, Una, FAESA, Opet, Universidade Tuiuti, IPTAN e Uniítalo. Em cada uma delas, pelo menos duas turmas de alunos matriculados em turmas presenciais foram selecionadas para participar deste estudo. Uma das turmas selecionadas representava o grupo controle e a outra turma o grupo experimental. Ao todo, participaram 307 alunos, distribuídos em 14 turmas. O grupo experimental foi composto por 155 alunos e 7 turmas, enquanto o grupo controle foi composto por 152 alunos e 7 turmas.

Os alunos do grupo controle foram submetidos, exclusivamente, a aulas expositivas durante todo o semestre letivo. Os alunos do grupo experimental foram submetidos ao ensino híbrido, com inversão da sala de aula. Para inverter a sala de aula no grupo experimental, 50% da carga horária era ofertada de forma não presencial, através de objetos de aprendizagem que eram disponibilizados em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Todo o conteúdo relacionado à disciplina era disponibilizado no formato de desafios de aprendizagem, infográficos, texto, vídeo-aulas, exercícios e a exemplificação da aplicação prática dos conceitos estudados. Os professores também podiam utilizar o AVA para interagir com os alunos nos momentos não presenciais. Nos momentos presenciais, que correspondiam a 50% da carga horária da disciplina, os professores aplicaram, exclusivamente, o Peer Instruction. Antes dos momentos presenciais, os alunos deveriam acessar o conteúdo e concluir as atividades previstas.

Os resultados foram animadores. O grupo submetido ao ensino híbrido apresentou uma aprendizagem significativamente superior ao grupo controle, exclusivamente expositivo. O artigo será publicado em breve com maior detalhamento metodológico, mas os resultados reforçam as práticas adotadas pelo consórcio STHEM e mostram que ainda temos muito o que pesquisar e produzir aqui no Brasil.

O programa continua, agora com mais dois Fellows, que certamente produzirão conhecimento não apenas para o nosso consórcio, mas para a transformação tão necessária no ensino superior brasileiro. A eles, desejo muito sucesso.