Por Fabio Reis, presidente do Consórcio STHEM Brasil e diretor de Redes de Cooperação e Inovação do Semesp.

A palavra isomorfismo nos remete à ideia de “formas idênticas”. No ensino superior, acredito que estamos avançando em um processo em que somos mais semelhantes do que diferentes. No EAD, os modelos são mais isomórficos do que diferentes, os modelos de organização acadêmica e administrativa das IES também se tornaram mais iguais do que diferentes. Aliás, parece que estamos nos aprofundando no processo de terceirização de projetos, serviços e ferramentas pedagógicas.

Penso que uma instituição de ensino superior, ou qualquer instituição de educação, precisa ser o local da criatividade, da inovação, da formação de cidadãos para o mundo, de geração de conhecimento.  Faz muito tempo que li “Creative Schools”, de Ken Robison. Em minha memória, o autor faz críticas ao avanço das padronizações e ao modelo de educação industrial.

Criar, dar sentido a um projeto institucional, ter equipes que pensam a IES do ponto de vista acadêmico, por exemplo, requer tempo, investimento em gente, talento e conhecimento. Faço perguntas para provocar a reflexão: será que estamos nos abdicando de criar e de dar sentido à dinâmica acadêmica para nos aprofundarmos na terceirização? Qual o limite entre criar e terceirizar?

Escrevo a partir de uma percepção da dinâmica do ensino superior. É fato, caro leitor, que estamos caminhando a passos largos para um isomorfismo no ensino superior? Se sim, há perigos à vista, pois o que vai diferenciar nossas IES? Deixamos de criar e de gerar energia com a elaboração de projetos e passamos a gerenciar produtos, ferramentas e conteúdos que outras IES também possuem.

Sim, cada instituição pode dar a “sua cara e identidade” aos produtos e ferramentas, o que exigirá gente qualificada, capacidade de customização e desenho do que será realizado. Neste aspecto, a terceirização exige gestão, equilíbrio e compromisso com a educação e com os talentos.

Se avançarmos no isomorfismo, no entanto, o coração acadêmico da IES poderá não pulsar com intensidade e podemos nos tornar meros cumpridores de tarefas demandadas por mecanismos tecnológicos. Uma IES precisa ser capaz de criar e de organizar sua dinâmica acadêmica a partir da sua identidade e propósito.

Estamos envolvidos em um diálogo e reflexão de como fazer da melhor forma possível a curricularização da extensão, que deveria ser algo comum e sem dores internas em IES que, naturalmente, possuem projetos de impacto social. Se há projeto de impacto, há evidências, então basta registrar e fortalecer os vínculos com a área acadêmica em IES bem organizadas, o que deveria ser rotina.

Até podemos adquirir ferramentas para registrar e criar evidências para “provarmos” que estamos fazendo curricularização da extensão, mas acredito que a extensão nasce, é concebida, desenvolve-se e gera impacto social a partir da missão e do propósito institucional. Isto é algo que faz parte da essência da IES e, talvez, não deva ser terceirizado.

Quero deixar claro que não sou contra a aquisição de projetos, ferramentas e serviços, desde que façam sentido para a IES, que sejam customizados, no que for possível, e tragam eficiência e eficácia. As IES não precisam de projetos, ferramentas e serviços que sejam apenas mais um penduricalho tecnológico, elementos em que mal sabemos como fazer a gestão, o acompanhamento e a implementação, contribuindo para a perda da criatividade e da inovação e criatividade.

Acredito que cabe aos gestores estimularem o coração acadêmico da IES, que representa a sua “alma” e faz a instituição ter sucesso. Há muitas IES, por exemplo, que se dedicam a produzir e adquirir o que é coerente com seus propósitos institucionais e segmentos em que atuam. São IES com identidade, propósito, planejamento e gestão de pessoas bem definidos. Provavelmente, estas IES “jogam outro jogo” no mercado educacional, deixando claro para a sociedade o que pretendem e como atuam.

O problema não está na oferta de ferramentas e serviços, mas na forma como os consumimos e incorporamos em nossas IES, muitas vezes de forma não-estratégica. Em virtude disto, temo um investimento menor em professores, em aprendizado dos estudantes, em elaboração de projetos, em geração de ideias e inovação.

Se nossas instituições avançarem na terceirização, o que poderá acontecer? As IES provavelmente terão que decidir entre buscar um “consumidor” que deseja serviços e ferramentas mais “gourmetizados” (para usar uma palavra que está em evidência) ou mais padronizados. Se optar pelo padronizado, estará disputando um jogo com grandes players educacionais.

O isomorfismo pode gerar a “morte da IES”, no sentido figurado.  A IES poderá se transformar em uma instituição como tantas outras, disputando espaço com todas que são semelhantes. Neste cenário, o preço será uma das poucas estratégias de atratividade para novos alunos. Talvez, o debate não esteja entre terceirizar ou não, mas entre ter identidade e propósito e se tornar semelhante à maioria.

Espero que nossas IES tenham vida, que sejam locais de formação cidadã, de criatividade, de troca de ideias e estímulo aos novos talentos.  Para isto, é preciso ter estratégia, conhecimento, vontade, recursos e propósito educacional. Sugiro que nossas IES planejem a transformação digital com pessoas qualificadas, inovadoras e empoderadas.

PS: enviei o artigo para duas pessoas que gosto e confio, um reitor e um executivo de uma empresa de tecnologia. Recebi os comentários após terminar o texto acima. Por favor, leiam os comentários.

Reitor: “A meu ver estamos terceirizando (…) o que ‘importa’ menos, para fazer dentro de casa o que ‘importa’ mais (…) acho que é importante o artigo fazer essa distinção clara de que algumas coisas talvez sejam melhores se não forem terceirizadas, mas outras precisam ser”. O Reitor defende que é preciso terceirizar o que for preciso e que não desenvolverá tecnologias que já estão disponíveis.

Executivo: “muitas IES (…) não conseguem investir na produção do conteúdo, não conseguem reter professores, não conseguem remunerar além da carga horária destinada ao docente na sala de aula (…) entendo que a terceirização, do que antes era ‘core business’, como algo quase de sobrevivência. Algumas atividades (…) passaram a ser commodity. Não vejo (a terceirização) com maus olhos, desde que o parceiro seja bem escolhido (…) percebo um movimento muito forte dos fornecedores no sentido de entregar (…) ferramentas que permitem a customização (…) se eu montasse uma IES hoje, usaria bons fornecedores que me permitissem a customização. Gastaria meu tempo com temas estratégicos”.

Os comentários mudaram minha opinião? Sobre o avanço do isomorfismo, não. Continuo preocupado com os avanços dos processos que tornam as IES mais iguais do que diferentes. Sobre a terceirização, ela é bem-vinda, desde que planejada, customizada e avaliada constantemente. É fato, uma IES dificilmente consegue produzir tudo que é necessário para ela funcionar nas áreas acadêmicas e administrativas. As startups educacionais são bem-vindas.