Os professores Nicholas Wasserman, Nathan Holbert e Paulo Blikstein, da Columbia University, publicaram no jornal New York Daily um artigo cujo título é “Will the coronavirus infect education, too? The risk of a radical shift to online learning after the crisis ends” (*¹), e foi com base no conceito formulado pelos autores que elaborei este texto.

É sabido que a Covid-19 deverá modificar diversas estruturas da sociedade, inclusive o modelo educacional que adotamos. Nesse contexto, teremos que fazer opções, entre as quais decidirmos pelo avanço da EAD como conhecemos hoje (os autores usam a expressão on-line) ou aproveitar a oportunidade para reforçar a aplicação da aprendizagem digital, que permite interações e experiências com os alunos.

Com a crise gerada pela Covid-19, o que fizeram as nossas IES, em muitos casos? Transformaram as aulas presenciais em aulas digitais síncronas. Os professores, com grande esforço, e de maneira emergencial, estão realizando aulas remotas com o uso de tecnologias que boa parcela dos docentes desconhecia. Na essência, isso não revoluciona o modelo da educação, embora traga transformações significativas. Os alunos continuam ouvindo os professores, agora de forma remota.

Nessa perspectiva, nem o modelo de EAD vigente, nem o modelo emergencial de aula remota representam uma solução viável para as IES.   É preciso que continuemos os esforços de avançar em nossa transformação digital. E realizar aulas remotas não significa que a IES se tornou digital. Não se pretende negar a EAD, mas sim afirmar que precisamos qualificar o que temos hoje, avançando para outros modelos que permitam o aprendizado dos estudantes. Se, após a crise, o atual modelo de ensino remoto predominar, correremos o risco de criar uma “pandemia” educacional, já que a tendência é que o modelo vigente irá se consolidar na maioria das IES. E nesse caso teremos um modelo homogêneo no sistema educacional.

Paulo Tomazinho, especialista em inovação e professor da Unipar, escreveu um artigo em que apresenta sugestões para que possamos conciliar a educação síncrona com a assíncrona. O artigo serve para que gestores de IES e professores tenham referência de organização das aulas, em tempos do Covid-19 (*²). De toda forma, os estudos precisam continuar e os modelos de educação, se diversificar.

O ano de 2020 será importante para que possamos definir os próximos passos, no sistema de ensino superior. O Brasil precisará de políticas públicas que sejam capazes de induzir flexibilizações dos modelos acadêmicos e administrativos.

O MEC e as assembleias legislativas terão um papel importante. Se a legislação e o sistema de avaliação das IES elaborado em período pré pandemia continuar da mesmo forma, corremos o risco de frear as inovações que estamos vivenciando, em nossas instituições.  As recentes portarias do MEC que flexibilizam a utilização do EAD demonstram que podemos superar as amarras da burocracia e confrontar os interesses corporativistas de classes profissionais, inclusive na área de saúde. É preciso que tenhamos parâmetros na legislação educacional.

Não basta o esforço dos agentes públicos na elaboração das políticas educacionais. Scott Cowen escreveu um artigo no Insid Higher Ed com o seguinte título em inglês “Out the balcony: thinking beyond the crisis” (*³). Para Cowen, é o momento de aproveitarmos para sair na varanda de nossas casas e apartamentos, como fazem os italianos, como sinal de resiliência, busca de felicidade e desejo de continuar a vida. Cowen sugere que os líderes educacionais comecem a “cantar e a dançar nas varandas”.

É óbvio que Cowen deseja que os líderes cuidem dos desafios atuais, entre eles assegurar a própria sobrevivência da IES. Muitas instituições poderão enfrentar uma crise de sustentabilidade financeira. Todavia, ele espera que as IES resilientes e as que forem capazes de fazer os ajustes acadêmicos e administrativos não tentem voltar ao modo como as coisas eram na fase pré-pandemia.

É preciso sair na sacada, respirar, cantar e pensar além da crise. Se simplesmente retornamos a condição pré-crise, os gestores irão demonstrar que resistem à continuidade da transformação digital, seja por comodismo, seja por pouca perspicácia na percepção do que está por vir no ensino superior.

Através da utilização de tecnologias, os gestores passaram a integrar diferentes ferramentas na dinâmica administrativa e acadêmica, das IES. Por exemplo, a ampliação do uso de big data para medir a satisfação dos estudantes, especialmente em um contexto de ampla utilização das aulas remotas. A busca por soluções tecnológicas emergentes é uma forma de os gestores saírem na sacada.

Todavia, é preciso que tenhamos consciência de que as aulas remotas não são sustentáveis financeiramente por muito tempo, e tampouco representam a solução acadêmica para as IES. É preciso apertar o reset e reimaginar a IES. Os gestores educacionais precisam ser propositivos e corajosos. Se perguntarmos para gestores e associações de ensino superior quais são as políticas públicas adequadas para o ensino superior na fase pós-crise, provavelmente não teremos respostas satisfatórias. Há muitas incertezas.

O fato é que a transformação do modelo acadêmico das IES não pode retroceder. Não podemos permitir que uma pandemia gerada por um coronavírus educacional contamine e freie os avanços da inovação. Precisamos de políticas públicas capazes de conduzir o Brasil para o futuro. O sistema educacional necessita de inovação, transparência e estabilidade.

Definitivamente, sair na sacada e olhar as oportunidades do mundo, é uma atitude que se espera do bom gestor. Devemos nos afastar do perigo da contaminação de uma pandemia gerada por um coronavírus educacional.

(*¹) https://www.nydailynews.com/opinion/ny-oped-coroanvirus-infect-education-20200408-tasi4zfbozcxlgq34f22rk4zwm-story.html

(*²) https://medium.com/@paulotomazinho/ensino-remoto-emergencial-a-oportunidade-da-escola-criar-experimentar-inovar-e-se-reinventar-6667ba55dacc

(*³)  https://insidehighered.com/views/2020/04/01/colleges-should-start-thinking-now-how-covid-19-might-transform-them-better-opinion