É seguro e necessário retomar as aulas presenciais no Brasil

                               Fábio Reis, Marcelo Augusto Scudeler e Maria Fernanda F. Morari Scudeler (*)

A pandemia da Covid-19 e a necessidade de distanciamento social afastaram milhões de brasileiros das universidades e das escolas em 2020. Em 2021, a forte aceleração do número de internações e mortes fez com que diversos estados e municípios tomassem medidas rigorosas de caráter restritivo, que incluíram a suspensão das aulas presenciais, mas que começa a ser revertida. Em São Paulo há um retorno gradual das aulas nas instituições de ensino, enquanto em Brasília a Câmara Federal aprovou um projeto de lei que reconhece aulas presenciais como atividade essencial.

Há consenso entre especialistas em educação, no entanto, que a manutenção por muito tempo de aulas remotas, especialmente no ensino básico, mas também no ensino superior, trará prejuízos formativos aos jovens. E o lado mais perverso desta equação é que essa perda formativa será mais sensível e perceptível para os estudantes em condição de maior vulnerabilidade, privados de tecnologias para o acompanhamento de aulas em ambiente remoto, como indicou um estudo do Observatório Institucional da Unicamp, intitulado A Unicamp e o novo coronavírus, que consultou os estudantes e obteve 4.665 respostas (16% dos alunos de graduação e pós-graduação matriculados na instituição).

Grande parte dos alunos apontou como principais problemas do processo de aulas em ambiente remoto a perda do convívio com os colegas e a necessidade de conciliar os estudos com as atividades domésticas, além da queda na motivação. Mas boa parte (1/4) indicou, também, que tem dificuldade média ou elevada para acessar equipamentos e a internet. Na pesquisa, 46% dos estudantes da Unicamp afirmam não se sentir confortáveis com as atividades remotas. Não é difícil imaginar que o mesmo resultado seria registrado no ensino básico, e refletiria especialmente as sensíveis diferenças existentes entre estudantes que estão na rede privada e na pública.

Diante disso, após praticamente um ano letivo de aulas em ambiente remoto, devemos nos perguntar se não seria imperativa a necessidade pedagógica de retomada das atividades presenciais, ainda que parcial e com a observância rigorosa de todos os protocolos sanitários, mesmo diante do agravamento atual da situação pandêmica. E alguns trabalhos científicos realizados no continente europeu indicam que a resposta é sim.

Estudo publicado em 26 de março último, subscrito por 22 pesquisadores das mais renomadas universidades do continente europeu, intitulado Understanding the effectiveness of government interbentions in Europe´s second wave of COVID-19, observou que o fechamento das atividades comerciais não essenciais e severas restrições a todas as atividades sociais foram extremamente importantes para o controle do avanço da pandemia. E que, embora o fechamento de instituições educacionais (ensino básico e superior) durante a primeira onda da pandemia na Europa tenha sido importante para a contenção do vírus, a iniciativa não se mostrou relevante durante a segunda onda.

Neste estudo científico, os autores indicaram que a adoção de rigorosos protocolos sanitários, como teste assintomático, rastreamento de contato, higienização, ventilação de ambientes, distanciamento, redução do tamanho dos grupos e prevenção da mistura dos grupos estudantis, evitou que as instituições de ensino fossem consideradas focos de proliferação do vírus durante a segunda onda.

Ouro estudo, desenvolvido pela Universidade de Zurich e pelo Inter-American Development Bank, denominado Reopening schools in the pandemic did not increase Covid-19 Incidence and Mortality in Brazil, discutiu o retorno gradual das atividades presenciais escolares em 131 municípios do Estado de São Paulo, entre outubro e dezembro de 2020. O trabalho indica que é baixa a efetividade da manutenção de escolas fechadas para a contenção da Covid-19, especialmente quando comparada com o impacto formativo nos estudantes afastados do ambiente escolar.

O estudo indicou que não houve incremento nos percentuais de mortalidade da Covid-19 nas 12 semanas seguintes à reabertura (inclusive em municípios com baixa renda per capita e com déficit em estrutura educacional), concluindo que a reabertura das escolas, ainda que por um lado implique em aumento de risco para colaboradores do segmento educacional e para os familiares dos estudantes, trouxe benefícios marginais na política sanitária de controle da disseminação do vírus.

A leitura destes dois recentes trabalhos científicos indica que as escolas que seguem os protocolos de forma consciente não são o vetor de transmissão da Covid-19. Esperamos que os agentes públicos trabalhem de forma articulada e revejam suas decisões. O prejuízo da manutenção do ensino remoto já é enorme em relação ao aprendizado dos estudantes, e está agravando os problemas da educação do país.  

(*) Fábio Reis é presidente do Consórcio STHEM Brasil e diretor de Inovação e Redes do Semesp; Marcelo Augusto Scudeler é mestre em Direito e diretor de Operações do UNISAL; Maria Fernanda F. Morari Scudeler é médica infectologista e docente na Faculdade de Medicina na PUC Campinas.

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