O Consórcio STHEM Brasil convidou a Profª. Ana Valéria Reis para dialogar conosco sobre o ensino híbrido (blended learning).

Segundo a especialista, que é diretora de inovação acadêmica da Faculdade Santo Ângelo (FASA) e doutoranda no Instituto de Estudos Interdisciplinares na Universidade de Coimbra, a hibridização pode ocorrer de diferentes formas, mas hoje a discussão no ensino superior acontece na medida em que se estipula uma carga horária mínima de ensino presencial e on-line com uma legislação própria. Ela lembra que hoje, no Brasil, não existe ensino híbrido validado pelo MEC, apenas uma carga horária admitida por lei que é de 60% de ensino presencial e de até 40% de ensino a distância, na graduação presencial. Essa mescla entre modalidades de ensino permite uma flexibilidade nos cursos presenciais. Mas a flexibilização no verdadeiro ensino híbrido também acontece nos currículos, nas metodologias de ensino e nos espaços onde esse processo de aprendizagem ocorre.

Saiba o que é, como funciona, quais os tipos de aplicação e os principais equívocos existentes em relação ao ensino híbrido na entrevista abaixo, e descubra como uma instituição pode se planejar para sua implantação.

O que é o ensino híbrido, ou blended learning?

Profª. Ana Valéria Reis – O ensino híbrido, na concepção a que se dá destaque, é a mistura do ensino presencial com o ensino on-line, mas esse ensino on-line é a complementação do ensino presencial. O professor divide suas atividades de aula em uma aprendizagem de momentos presenciais e on-line. A ideia do ensino híbrido surgiu para atender às necessidades das escolas de ensino básico para, principalmente, resgatar crianças que tivessem problemas ou dificuldades de aprendizagem e dificuldades de acesso à escola. Os primeiros textos que surgiram sobre o assunto são estrangeiros, principalmente norte-americanos, e nos mostram  contextos de crianças na situação da realidade americana, porque muitas delas também recebem educação em casa. E como elas poderiam acompanhar a modernidade e suprirem as suas dificuldades de aprendizagem? Então o ensino on-line veio ao encontro dessa supressão.

Essa foi uma primeira ideia para se fazer uma mistura do ensino presencial com o on-line. No entanto, a partir do momento em que essa ideia foi criando raízes, crescendo e se expandindo, não se abandonou o conceito de que essa mistura do on-line com o presencial era para um ensino customizado e personalizado que continuasse atendendo aos estudantes no seu próprio ritmo de aprendizagem.

Hoje, quando a gente vê a definição do conceito de ensino híbrido, de Horn e Staker, de que se trata de um programa educacional formal, no qual o estudante pelo menos em parte por meio do ensino on-line, com algum elemento de controle sobre o tempo, o lugar, o caminho e/ou ritmo, percebe-se uma singela confusão entre as pessoas de que basta usar de ferramentas tecnológicas e delegar atividades extras aos alunos que o ensino híbrido está sendo aplicado.

A ideia de fazer com que esse on-line venha a complementar as atividades presenciais é justamente para que esse estudante, no seu ritmo, consiga aprender os conceitos necessários a serem estudados para aplicação nas atividades práticas e para realização das atividades propostas pelo professor. Então, esse mix de on-line com presencial significa que o professor tem um controle sobre as atividades on-line que são realizadas pelos estudantes. Se não houver uma mínima possibilidade de controle do professor sobre essas atividades, não se caracteriza como ensino híbrido.

Por exemplo, o aluno até pode assistir a vários vídeos no Youtube que o professor recomenda, ele pode entrar em plataformas de estudos e ali realizar uma série de atividades por conta própria, mas isso não se caracteriza como ensino híbrido propriamente dito, uma vez que o professor não tem acesso a que tipo de resultado esse aluno está alcançando. E se o professor faz uso de alguma ferramenta digital em sala, pode ser apenas uma estratégia diferenciada, não hibridização do ensino.

O ensino hibrido é um programa de educação formal, planejado, em que ocorre a mistura do presencial com o on-line, e o aluno tem um ritmo de trabalho nesse on-line. Trata-se de um ensino que atenda as necessidades  do estudante e que esse estudante consiga avançar no seu aprendizado e o professor, obviamente, tem  controle sobre esse aprendizado.

Quais os tipos de ensino híbrido e confusões que as pessoas fazem em relação ao ensino on-line?

Profª. Ana Valéria Reis – Temos de pensar na própria estrutura da instituição. Nós temos alguns modelos de ensino híbrido que não alteram muito o formato da escola tradicional em sua estrutura, o que se alteram são as ações do professor, suas escolhas metodológicas.  Algumas se destacam mais que outras.

A sala de aula invertida, por exemplo, é um modelo de ensino híbrido uma vez que o professor delega atividades formais para o estudante no on-line e reserva as atividades práticas para o momento do presencial. Mas quando o professor delega essas atividades prévias para os alunos, ele tem controle sobre elas, uma vez que ele precisa saber como está a participação do aluno nessas atividades, seu engajamento e que nível de aprendizagem esse aluno está alcançando em relação aos seus objetivos. Então, ele tem um controle sobre essas ações. A sala de aula invertida se caracteriza como ensino híbrido nesse sentido. O professor mantém esse controle em relação as atividades propostas e esse controle também se manifesta nas atividades práticas na sala de aula, mas sem tirar a autonomia do estudante. Entenda controle como acompanhamento do desenvolvimento do estudante.

O modelo por rotação, também muito usado pelos professores, é quando o professor divide a turma em estações de aprendizagem e tem a oportunidade até de separá-los por níveis de aprendizagem. Entre as estações, existe a estação do on-line, em que o aluno tem acesso ao estudo por meio da internet  e o professor sabe exatamente o que esse aluno está buscando e o que ele deixa de buscar, e existe a mediação e a orientação do professor. Então, esse modelo de rotação por estações se caracteriza como híbrido, pois há a presença dessa estação em que o aluno tem o estudo na plataforma, ou seja, no on-line.

E outro modelo que vinha sendo muito usado pelos professores até antes da pandemia é o de rotação no laboratório de informática, quando o professor consegue dividir a turma entre dois momentos, um em que ele fica com uma parte da turma para as atividades presenciais, enquanto a outra turma fica trabalhando no computador (com atividades de leituras a serem realizadas, vídeos a serem vistos, entre outros). Depois, os alunos trocam de posição, os que ficaram on-line no computador colocam em prática o que estavam fazendo e os alunos da prática encontram a base conceitual e teórica para complementação de aprendizagem. É híbrido, porque presencial e on-line acontecem ao mesmo tempo.

Essas alterações sustentadas não mudam a estrutura física da instituição. Mas existem modelos híbridos, em que o aluno estuda quase 100% no on-line, dentro do próprio espaço físico escolar, devidamente adaptado, em que ocorrem ações colaborativas, em que os alunos trocam ideias entre eles, porque estão próximos, estão em um contexto educativo, e existe a mediação do professor virtual e do professor físico, se necessária.

O objetivo de se fazer a mistura entre o on-line e o presencial é atender ao ritmo de aprendizagem dos estudantes, para que todos consigam alcançar níveis mais do que satisfatórios de aprendizagem. E simplesmente adotar o ensino on-line não significa que você esteja fazendo um ensino personalizado e customizado. A ideia da personalização  no ensino híbrido vai além do investimento que muitas instituições estão fazendo em equipamentos tecnológicos em sala de aula e em variados recursos digitais. Mas isso não significa que se esteja fazendo ensino híbrido, assim como indicar diversos links para os alunos estudarem fora da sala de aula não caracteriza ensino híbrido.

O ensino híbrido tem de estar planejado em todo o contexto da aula do professor, preferencialmente nos currículos dos cursos. A escolha da estratégia da sala de aula invertida também tem de ser muito bem planejada, porque o professor pode acompanhar o nível de aprendizagem que o aluno esteja alcançando.

A ideia da implementação do ensino híbrido, com foco na personalização e na customização é para diferenciar a escola tradicional que padroniza o ensino, ensina a mesma coisa no mesmo ritmo e no mesmo nível para todo mundo, é o modelo de escola industrial que tem o foco no conteúdo e transmite esse conteúdo no mesmo ritmo. O ensino híbrido veio para quebrar tudo isso. Se as pessoas aprendem em ritmos diferentes e modos diferentes, temos de utilizar estratégias que acompanhem esses ritmos e diferenças de aprendizagem.

Como se faz a avaliação no ensino híbrido?

Profª. Ana Valéria Reis – O ensino híbrido precisa estar baseado nas competências e com diferentes estratégias e critérios de avaliação. Indicadores auxiliam o professor e o aluno quanto aos resultados que estão sendo alcançados. Temos de repensar o modelo de avaliação. Tanto nos momentos do on-line quanto do presencial. Para que o aluno caminhe no seu ritmo, temos de nos valer da avaliação processual, que é a que acompanha todas as etapas de desenvolvimento do aluno, diferente da avaliação somativa, em que o professor faz uma avaliação no final do processo. Nessa processual, a avaliação é constante. Por isso o planejamento é importante. O olhar do professor sobre o aluno é diferente e o olhar do aluno sobre si mesmo também muda. E com  tecnologia e com recursos, surgiram as plataformas adaptativas, em que os algoritmos conseguem perceber o ritmo de aprendizagem dos estudantes e as próprias plataformas fazem a repetição dos conteúdos de diferentes maneiras, para que o aluno compreenda e aprenda o conteúdo, porém, sem dispensar a mediação do professor.

O que é ensino híbrido no modelo hi-flex?

Profª. Ana Valéria Reis – O ensino hi-flex de que ouvimos falar hoje é aquele em que o professor, por causa da pandemia, em alguns países, voltou a dar aula no presencial, mas não com todos os alunos. Nesse modelo, há alunos no presencial e no remoto ao mesmo tempo. O aluno que, por alguma razão de saúde ou outra não possa voltar ao presencial, continua estudando no remoto, realiza as mesmas atividades  que o professor executa na sala de aula com alunos que ali estão presencialmente. Muitas IES equiparam suas salas com melhores microfones e câmeras para que o aluno que ficou em casa se sinta da mesma forma que o aluno no ensino presencial. Esses modelos não deixam de ser híbridos no conceito de híbrido, porque tem a escola em sua estrutura física e digital, e, mesmo nesse modelo, que surgiu mais como emergencial, e pode ficar, os cursos podem ter toda sua construção no conceito do ensino híbrido.

Como planejar o ensino híbrido em uma IES?

Profª. Ana Valéria Reis – A IES precisa estar preparada para compreender esse conceito do ensino híbrido, capacitar seus professores, reestruturar toda a sua matriz curricular e também avaliar todos os riscos e viabilidade financeira de instituir um modelo híbrido. Se eu quero que a minha instituição seja inovadora e não mais tradicional, eu tenho de questionar: como a minha instituição se identifica com os novos modelos educativos que surgiram nesses últimos anos? Como ela se identifica com o uso de tecnologias digitais? Como a minha estrutura vai se adequar a todas as mudanças necessárias? Qual vai ser o custo dessa inovação; quais são os riscos associados a todos esses itens se eu não os fizer de uma forma bem pensada e bem planejada e, ainda,  como eu capacito os meus docentes, e preparo meu corpo administrativo e financeiro que precisam ter uma nova mentalidade? E mais ainda: como eu tenho de receber e preparar o estudante que vem para uma IES com ensino híbrido? O aluno não vai mais usar a velha desculpa de que paga curso presencial e não tem de fazer atividades on-line. Se ele tem a noção de que está entrando em uma instituição de ensino híbrido, ele tem de cumprir suas responsabilidades com o ensino on-line. No Brasil ainda não temos o ensino híbrido aprovado pelo MEC, nós temos essa mistura dos 60% do ensino presencial e até 40% do ensino a distância. Cabe a IES administrar esses percentuais no currículo.

Quais os tipos de ensino híbrido mais usados durante a pandemia?

Profª. Ana Valéria Reis – Não tivemos uma pesquisa recente com dados e números das IES que estavam trabalhando no remoto durante a pandemia e adotaram um ensino híbrido. Sobre como foram utilizadas estratégias entre a  carga horária para os momentos dos encontros síncronos (que mostram a presencialidade) e os momentos assíncronos. Algumas IES disseram que fizeram ensino híbrido, mas não temos os dados de como foi feito só a declaração de que foi feito. Acredito que na maioria prevaleceu o ensino remoto com o apoio dos ambientes virtuais de aprendizagem, mas não tenho conhecimento de informações mais específicas sobre isso.