Na quinta-feira, dia 18, fomos surpreendidos com a decisão do prefeito de São Paulo de antecipar os feriados. No dia 19, o decreto 60.131, regulamentou a lei publicada no dia anterior. O decreto não se aplica “às unidades de saúde, segurança urbana, assistência social e ao serviço funerário, além de outras atividades que não possam sofrer descontinuidade”. Não há dúvida de que é preciso salvar vidas e diminuir a ocupação dos leitos e UTIs, isso não se discute, por outro lado, as atividades que são realizadas integralmente de forma remota, precisam ser interrompidas, em função do feriado?

As instituições de ensino (IE) estão funcionando de forma remota, por uma determinação do plano do estado de São Paulo. Por que impedir o seu funcionamento, na cidade de São Paulo? Aliás, as aulas precisam ser retomadas de forma gradual e com os protocolos de segurança estipulados pela legislação vigente. O decreto aumenta o prejuízo do aprendizado, o desconforto dos alunos, ávidos pelo retorno das aulas e das escolas. Os gestores das IE se sentem inseguros em função do aumento da inadimplência e da evasão, porque não há aulas.

No dia 24 de janeiro, o portal G1 publicou a reportagem “Relatório da Unesco mostra que estudantes perderam em média 2/3 do ano letivo por causa da pandemia”. A paralisação foi em média de 5,5 semanas no mundo, na América Latina  e no Caribe foi de 29 semanas, no Brasil, foi de 40 semanas. Segundo o relatório, há uma baixa prioridade à educação nos esforços de recuperação econômica. Os investimentos no setor estão aquém das necessidades e o decreto 60.131 irá paralisar o ensino remoto.

O mesmo portal publicou no domingo, dia 21/03/2021, o artigo “Número de alunos transferidos para a rede pública em SP cresce 44,4% e inadimplência em faculdades já é a maior da história”, de Bárbara Vieira. A inadimplência cresceu 29,9%, segundo o Instituto Semesp, no Brasil, tendo como parâmetro os anos 2019/2020. Já o aumento da evasão foi de 14,7%. Em 2021 haverá uma piora dos indicadores, com o aumento do desemprego, a perda de renda das famílias e as decisões polêmicas do poder público.

O jornal El País publicou o artigo “Educación superior en América Latina: se acabó la fiesta?”, de Otto Granado. O autor, comparando a taxa bruta de escolarização na América Latina, que é de 52%, com a dos países da OCDE, de 75,6%. Ele estima um crescimento de matrículas de 1% por ano, na América Latina. No Brasil, é de 35,9%. Em 2019 as novas matrículas no ensino presencial tiveram uma taxa negativa de – 3,8%, no EAD, o aumento foi de 19,1%, segundo o Instituto Semesp. A perspectiva é de um cenário nebuloso para o ensino superior. As taxas de crescimento no Brasil  serão pífias, em um cenário de crise.  No geral, o crescimento em 2019 foi de 1,8%.

Granados afirma que o diploma do ensino superior não é mais um passaporte para o emprego. Sim, é fato. O Brasil corre o risco de se tornar uma fábrica de diplomas e formar um contingente de pessoas sem empregos. Impedir o funcionamento das instituições de ensino em função de feriados antecipados intensificará a desconfiança das famílias em investir nas mensalidades escolares, o desinteresse dos estudantes, a perda do aprendizado, a inadimplência e a evasão.

Segundo Granados, o sistema de ensino da América Latina produz pouco êxito para os egressos. Em 2019, em um levantamento da Global Leaders in Innovation, da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, que classifica a inovação em 129 países, a Ásia representou 66,8% das patentes solicitadas, a América Latina, 1,7%. No ranking Bloomberg Innovation Index 2021, o Brasil ocupa a posição 46. Provavelmente, quem detém os melhores indicadores de inovação são as universidades públicas. De modo geral, nossas IES reproduzem um modelo acadêmico que não estimula a transformar suas ideias, em produtos e serviços.

O portal Terra publicou no dia 17 de março, reprodução da reportagem do Estadão: “70% das crianças do Brasil podem não aprender a ler”, de Renata Cafardo e Júlia Marques. O artigo repercute um relatório do Banco Mundial que fala em tragédia nunca vista na aprendizagem dos jovens, já que 2 em 3 alunos do Brasil podem não conseguir “ler adequadamente um texto simples aos 10 anos”. Os prejuízos referentes à perda de conhecimento e de produtividade das pessoas pode chegar a 1,7 trilhão de dólares, em função da fragilização da formação do capital humano. O Brasil tem um índice de “pobreza de aprendizagem” em torno de 50%, e pode chegar a 70%. Não temos estudos referentes ao ensino superior mas, sem dúvida, a perda é e será significativa.

A ausência, a fragilidade ou os erros em políticas públicas para a educação gera um impacto significativo no funcionamento e na dinâmica do sistema de ensino superior. Por outro lado, as opções errôneas dos gestores de IES, na definição do modelo de oferta acadêmica, em um mundo de rápida transformação, também gera perda de competitividade da instituição.

No domingo, dia 21 de março, 500 economistas, banqueiros e empresários publicaram uma carta aberta em que pedem medidas eficazes para o combate à pandemia. O documento afirma que “as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir em um esquema de distanciamento social”. O texto faz referências às perdas de aprendizado, que atinge, principalmente, as famílias mais carentes.

O fato é que demandamos dos formuladores de políticas públicas, do diálogo com as associações representativas que precisam, em bloco, apresentarem dados sobre as perdas do aprendizado e a argumentação objetiva de que o fechamento da escola está intensificando a evasão, a inadimplência e a perda do sentimento de que estudar é preciso.

Basta de prejudicar o aprendizado e fechar as instituições de ensino, quando não é necessário. Esperamos que o Prefeito de São Paulo retifique o decreto 60.131. A sabedoria está no equilíbrio e no bom senso.